quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Nas teias da ignorância

Nem sempre as férias nos deixam tempo disponível para fazermos o que mais gostamos. Nem sempre nas férias nos apetece fazer aquilo que fazemos sempre. E eis que se passou mais de um mês desde o último desabafo no meu casulo.
Hoje apetece-me escrever sobre um tema sério (apesar de considerar todos os temas sobre os quais escrevo sérios...), sobre uma conversa que tive nas férias, e que me deixou irritada e estupefacta ao mesmo tempo: PRECONCEITO!!!
Pois bem, estava eu num belo dia de verão na praia, deitada, de olhos fechados, a conversar com uma amiga enquanto sentia o sol a bronzear a minha pele, bem relaxada, quando a conversa enveredou para as orientações sexuais de cada um e para a adopção por casais homossexuais. Ouvi qualquer coisa como "tenho dificuldade em aceitar como possível a adopção de uma criança por parte de um casal homossexual! Nós somos, em parte aquilo que os nossos pais são. E faz falta a figura de uma pai e de uma mãe!"

Abri os olhos, sentei-me na toalha, inspirei e pensei "Isto vai ser lindo! Não me faltava mais nada a meio das minhas férias... Falo? Calo-me?" Obviamente tinha que falar. E logo eu que 1. Não consigo estar calada. 2. Acredito que se todos mudarmos o que conseguirmos no nosso mundo pequeno, o mundo grande poderá vir a tornar-se melhor! E foi assim que começou.


"Vamos por partes: O que é a adopção para ti?" (E, por favor, meus amigos, façam esta pergunta a vocês mesmos. Questionem os vossos amigos. Verão que nem sempre a resposta será a mesma. E seguramente serão surpreendidos com algumas ideias.) Eu não deixei que a minha amiga respondesse. Estava como que hipnotizada. E depois de começar já era impossível parar. "A adopção é uma fonte de uma relação jurídica familiar" (bem me parecia que o curso de direito havia de me servir para alguma coisa, especialmente durante as férias, na praia...) "A adopção permite que se estabeleça um vínculo entre duas pessoas, independentemente dos laços de sangue. Tal pode acontecer por inúmeras razões, mas aquela que mais realça a importância desta figura jurídica, é o facto de existirem crianças institucionalizadas, abandonadas, vítimas de maus tratos, cujas famílias não tinham capacidade (física, financeira, emocional) para lhes conceder uma vida digna, uma vida de criança, afinal. E se assim é, que sentido faz recusar a possibilidade de uma criança ter uma família? A adopção NÃO É o último meio de um casal ter um filho. A adopção não faz sentido se fizermos cruzes num formulário sobre idade ou características físicas de uma criança como se de um jogo de euromilhões se tratasse. A adopção é um meio de uma criança passar a ter um lar. A adopção é a única forma que existe de inúmeras crianças terem uma família, sendo que família é amor, cuidado, atenção, educação, transmissão de valores e princípios, orientação, apoio, ternura, carinho... E, acredites ou não, todas as crianças no mundo precisam da mesma coisa: AMOR. E o amor não se mede pela cor, pela orientação sexual, pela religião, pela cor dos olhos, pela idade. O grande erro é olhar para a adopção com os olhos de um adulto. Porque nenhuma criança é preconceituosa quando nasce, nem quando lhe oferecem amor. A adopção só funcionará enquanto instrumento quando for analisada através dos olhos de uma criança. Incluindo pelos adoptantes. Porque só assim deixarão de ser feitas as cruzes do euromilhões."

Inspirei! Havia ainda tanta coisa que tinha que ser dita...

"E nós somos aquilo que os nossos pais são? Que tipo de preconceito é esse relativamente aos homossexuais? Se fosse como estás a pensar, não haveria nenhuma outra orientação sexual possível, porque todos nascemos de uma relação heterossexual. Achas mais fácil a uma criança viver até aos 18 anos numa instituição (sendo que considero que as crianças estão bem melhor numa instituição do que numa casa onde são negligenciadas e mal tratadas) do que numa casa, onde poderá ter tudo o que merece, só porque os adoptantes têm uma orientação sexual diferente da tua?? Então imagina um cenário. Duas pessoas homossexuais. Um deles ou ambos têm filhos de uma relação heterossexual anterior. Deixa de haver família? Passa um pai ou uma mãe a ser "mau pai" ou "má mãe" apenas porque passa a ter uma orientação sexual diferente? A família existia e continua a existir, não só pelos laços biológicos, mas porque provavelmente os membros dessa família vão continuar a cumprir com as funções sociais que o Estado e todos nós esperamos de uma família equilibrada, tão essencial a uma sociedade organizada. E se assim é, qual é afinal o problema de uma adopção por parte de um casal homossexual? Nós esperamos que as instituições protejam as crianças. Não só enquanto estão institucionalizadas, como quando são entregues a uma família. Os adoptantes devem dar provas da capacidade de "ter um filho", antes, durante e depois da adopção. E, se tal acontecer, vamos ter crianças felizes hoje. Adultos equilibrados amanhã. Os fracassos e os sucessos pessoais acontecem independentemente da orientação sexual das pessoas. E, o fim não acontece com a adopção. A adopção é apenas o início!!"

Uff... Isto não está fácil...

"E é certo que me faltaria a figura da minha mãe e a figura do meu pai. Porque tive um pai e uma mãe fabulosos que fizeram de mim uma criança feliz e me abriram o caminho para o que sou hoje. Mas será que uma criança abandonada ou maltratada tem necessidade dessa mãe ou desse pai???"

Amigos do meu casulo, assim passei uma tarde na praia. Não, não tenho as respostas para tudo, mas pelo menos questiono. Os outros, as instituições, a mim mesma. Sem tabus, nem preconceitos. Na vida existem sempre vários caminhos. Nem sempre conseguimos ver todas as possibilidades. Neste caso, há caminhos vedados pelo preconceito, familiar, educacional ou religioso. Sempre ignorante...

Beijos e ron rons lunares,
Borboleta